quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O filme tinha terminado à algum tempo, o note book que continuava aberto espalhava sua luz pelo ambiente, competindo com a lua para ver qual iluminava mais. Conversávamos, assuntos banais, opiniões, gostos, fatos, um bocado de tudo. Até que caímos no assunto, o assunto mais intocável da noite:

- Então dona moça sabida, o que é o amor pra ti?
Perguntou-me ele enquanto deslizava sua mão em minhas costas.
- Sacrifício. Amor é sacrifício.
Respondi com um sorriso.
Como a luz era tênue, mal pude perceber quando ele arqueou uma de suas sobrancelhas em sinal de confusão, como se minha resposta tivesse dado um nó em toda a imagem que ele tinha feito de mim até então. Percebendo, acrescentei:
- Amor é sacrifício. Sempre temos que sacrificar uma parte de nós para dar lugar ao outro. É meio perigoso.
- Nunca tinha pensado por esse lado.
Respondeu-me ele, com um meio sorriso que eu antes não tinha notado.
Os instantes que se seguiram foram sem ruídos, sem movimentos bruscos ou coisas da estirpe. Até que então sua voz cortou o ar com a pergunta:
- Você se sacrificaria por mim?
Eu o fitei nos olhos e um silêncio pesado se instalou entre nós. Eu hesitava em entender a pergunta, até que ele continuou…
- Eu falo de amor, ou enfim isso que tu chamas de sacrifício, o farias por mim?
Fiquei sem resposta, e então soltei ligeiro tais palavras:
- É difícil dizer, quando eu souber eu lhe digo, juro que digo.
A noite seguiu, mas nenhum dos dois ousou tocar novamente no assunto. Risos, brincadeiras, conversávamos como se nos conhecêssemos à anos, à vidas quem sabe. O sono veio e engoliu-nos.
Na manhã seguinte acordei com uma forte buzina vinda da rua. Levantei-me, coloquei o casaco que ele deixara atirado no chão, mesmo grande, pareceu-me confortável. Abri a porta de vidro que dava para a varanda do apartamento. O sol que a muito já havia passado do seu ponto mais alto, roubou-me a visão, e eu fiquei ali, de olhos fechados por minutos intermináveis. Entrei, vesti-me, fui até a cozinha onde encontrei papel e caneta, sem o acordar escrevi então um bilhete, abri a porta e desapareci escadas a baixo, deixando em cima da mesinha da sala as seguintes palavras:

Gosto do seu sorriso, suas mãos me acalmam e tua companhia deveras é uma das melhores que já tive. Mas meu coração há muito anda perdido, indomável. Agora já sei, e posso dizer-te: Não. Não me sacrificaria por ti.
Da sua, amada por uma noite.

2 comentários:

  1. Teu texto de mulher, descombina da tua cara de menina, muito bom...

    Quanto à loucura, hoje, ou você é quem julga ou é o esquisito, pode aceitar a rotina ou buscar seu sonho seja ele feito de palavras ou fotos, ser cor nestas cidades tão cinza, ser diferente entre tantos iguais, ser ponte em um mundo onde tantos parecem ser ilhas... E se muitos acham que o certo é ser normal aos olhos dos outros (porque longe dos olhos ninguém é normal), sim, eu escolho a loucura...

    ...mas escrever as vezes é só um sentir sem ser...

    um abraço

    Rafa

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  2. Rostos jamais portaram o que uma alma carrega.
    E quanto a loucura, sempre soube que quando um ser humano a experimenta, entenderá, que é só um estado de elevação. De descoberta.

    Um abraço, e obrigada pelas palavras.

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